quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Noite molhada em ata semente


Noite com gosto de cardamono e umidade de chuva, Santa Clara em doçura, coca cola sem açúcar, ouvidos generosos para relatos de velhos e novos amores. Letras boiando na sopa de vozes, timbres tão dissonantes em relatos atrozes de animais mutilados depois do prazer. Ah, a latente e deliciosa ameaça de quadris ondulantes.


Mas o tempo com pressa se impôs sobre a mesa, versões de um amanhã frio e próximo. Nada será como antes depois do garrote em cem anos, nem mesmo o mercenário incapaz de apagar as lembranças. Já na saída, o homem sonhado cede lugar ao atirador de facas que acerta bem no meio da fruta. Senha para a partilha de quinze sementes rondando dentes, aromatizando as cinco bocas num sabor do Oriente que será lembrado para sempre.



Laura Fuentes

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ata de um sopão de agosto


O espectro do anão rondou o jantar ao ar livre. Livre? Dimensões e perspectivas nunca previstas, apenas imaginadas, admissão de fetiches e a conversa esquentou. Confidências. Um molestador internético, uma patricinha fútil, uma senhora das vozes que sabe ser assim a sua sina, a sua tara. Sim, o espectro do anão rondava a sopa dos comensais incomodados pelo sem teto incensado no fogo das dores, revoltas, rangendo dentes e abandono. Melhor falar do futuro: manipulação do hipocampo numa humanidade cada vez menos humana, sexo em parafuso como um chifre de narval. Mas o passado volta a rondar quando se sentem observados pelo homem de emoções puídas cercado de animais, únicas testemunhas da sua expiação neste plano. Faltou a sobremesa. E todos foram embora certos de carregarem um anão dentro de si.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Instruções de postagem da inesgotável srta Muller




Antes de bramir seus fremidos, informamos que a postagem demanda que as mensalidades do carnê dos Escritores de Segunda estejam em dia.

Saliento que tentativas de suborno são inúteis e de perspectiva teratológica pois o absoluto e desenfreado Diretor Rissatti fica na Sala da Segurança, assinando memorandos e pedidos de suprimento de despesas e diárias, ao lado do Urso Kodiak empalhado de três metros de altura. Atrás deste, você poderá se deter junto aos diplomas e certificados de cursos de adestramento de animais ferozes e ensino de motociclismo a chipanzés. Não espere complacência. A mera suspeita da existência de caixinha implicará na soltura de tigres brancos da gaiola para encerrar a questão.

Portanto, será mais seguro se levar o recibo e quatro cópias, devidamente carimbadas pelo valoroso e infatigável senhor Cobbi, mais o aceite de catedrático indomado doutor Brites em três vias, uma com bic cor preta, outra com kilométrica azul e a terceira com ponta porosa verde. O conjunto será encaminhado ao departamento de descarbonamento (responsabilidade do excelentíssimo imperturbável senhor Lima), que fará um barquinho de papel com o segundo carbono e utilizará o terceiro para confetes pretos jogados em velórios políticos.

O primeiro carbono será endereçado para o departamento de nutrição pirofágica onde será acesa uma fogueira de cabelos cortados do venerável resplandescente doutor Maluf com os quais o impoluto e incontornável senhor Bode acenderá seus cigarros e colocará em um envelope para depósito no banco do Brasil na conta suiça da irremediável senhorita Fuentes até terça feira, dia 32.

Aí sim você pode postar no blogue.

E viva as instituições.

domingo, 11 de outubro de 2009

Pernil de carneiro torrado, erva dos sonhos e canja de galinha não fazem mal a ninguém.


“O que conta é o que se faz, não o que se intenciona fazer”
Picasso

Quatros pratos conversavam, brancamente, sobre conteúdos com que os enchiam, com que os esvaziavam.Gostavam de serem fundos, não rasos. Sentindo, assim, uma colher qualquer, raspando sua bunda de louça-louca, soltando sons esganiçados. Só não aceitavam que viessem misturando “secos com molhados”. Porque sopa é para os fundos e sólidos para os rasos. E a todo prato que se preza, do chinfrim ao decorado,devem ser apresentados alimentos quentes, frios ou requentados, um modo de saber serem utilitários. Um em cada lado do quadrado mantinham-se ansiosos, com o próximo café, almoço, jantar, ou demais convidados. Ah, e quando no centro da mesa, potes eram colocados; grito-ralado suado e cansado, erva-sonho seca e macerada, sabiam o manjar era prenunciado. E sentiam orgasmo, não com a promessa do membro-braço retirando a concha do caldeirão (porque este poderia conter qualquer coisa), mas com o que lhes era derramado por cima. O prazer do tato, do calor, mesmo sendo o de um ralo caldo.

Ata e não desata.


Lá fora um frio de cortar carne e a mãe dando comida às crias envoltas em concreto. Metamorfoseadas em natureza urbana. Resistência de anos setenta, oitenta. Fumaça. Lá dentro persistentes, eles, continuam insistindo em ser gente. Não mais festas caseiras, não mais bares e pitadas. Psiu! E eles não se calam, não se fecham em telas de cristal, líquidas e planas. O sistema dentro do sistema, que não é mais sistema. É a louca. É a letargia por medo da bala. Não mais bananas, para símios disfarçados de humanos. Chega. É o menino e sua história. É o menino e seus devaneios futuristas. E as meninas alimentadas, de quê? São elas a contar as contas do futuro? Alguém diz Hitler? O alemão duvidoso penetra e é devorado. É a dor da separação É a crueza da história.