quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Escrever





Escrever

(de Francisco Bosco, retirado de seu livro Alta Ajuda)




Volta e meia sou interpelado por essas duas perguntas fundamentais: por que e para quem escrever?
Ler nos dá instrumentos para admirar o mundo, para conhecê-lo de modo mais penetrante, complexo, tornando-o por isso, mais interessante. As coisas não têm um valor por si mesmas; é preciso ter força de percepção para lhes atribuir valor, para enxergar nelas a beleza, a grandeza, a profundidade. Ler nos propicia uma percepção das coisas na qual se possa fundar a admiração. E um mundo admirado, por sua vez, é um mundo erotizado. Isso quanto a ler. Mas e escrever? 
Aqui a resposta já não é tão evidente.
Para começar, trata-se de uma atividade que sofre de certo mal-estar quanto a seu reconhecimento social. Todo escritor tem a súbita revelação desse fato ao preencher a ficha de registro no check-in de um hotel: o que colocar no campo “profissão”? Escrever não é bem uma profissão sob muitos aspectos: não exige o aprendizado de uma técnica (e sim sua invenção), não torna evidente o domínio (a não ser para os leitores que saibam reconhecê-la), nem tampouco é evidente a necessidade social dessa técnica (sua importância é a princípio existencial, e só indiretamente social: oferecer aos cidadãos instrumentos para o desenvolvimento de sua capacidade de criticar e admirar). Por tudo isto, tal técnica é quase sempre mal remunerada.
De uma perspectiva pragmática, portanto, não é de estranhar que os escritores sempre se vejam diante da pergunta “por que escrever?” Sua resposta deve ser buscada em outro âmbito.

No belo ensaio “Genius”, Giorgio Agamben afirma: “escrevemos para nos tornarmos impessoais”. O que isso quer dizer? Segundo o filósofo italiano, cada sujeito é formado por duas dimensões, uma pessoal, outra impessoal. A pessoal é o eu, a autoimagem, a identidade; o que em nós é constituído, sabido, reconhecido. A parte impessoal é o que, “em nós, nos supera e excede”, é o que nos revela “que nós somos mais e menos do que nós mesmos”, é uma zona de “não conhecimento” em nós mesmos. Essa impessoalidade constitutiva de toda pessoa, Agamben argumenta que ela é chamada desde a Antiguidade latina de “Genius”, de onde vem nosso “gênio”.
Genial, assim é essa passagem aberta, dentro de cada pessoa, à impessoalidade. Quando alguém está dançando, o corpo lançado ao sentido da música, o eu esquecido de si mesmo – esse alguém está na dimensão impessoal, está “genial”. Quando se faz uso de uma droga, de um alterador de consciência, e se sente o eu distanciar-se, a identidade enfraquecer-se, cedendo lugar a outro registro – isso é “genial”. Ora a criação artística exige uma passagem do eu a esse outro que o habita, a seu gênio (as Musas, evocadas pelos poetas antigos, são outro modo de entender essa exterioridade que nos inspira). Daí que, na língua corrente, genial tenha se associado, sobretudo, à figura do artista. A genialidade define um modo de vida em que o eu se disponibiliza a desconhecer-se: “Viver com Genius significa viver na intimidade de um ser estranho, manter-se constantemente a uma zona de não conhecimento”.
É por isto que se escreve, ou, ao menos, é por isso que escrevo: para transcender os limites tediosos, neuróticos do meu eu. Se há uma saúde em escrever (que sobre outros aspectos parece ser uma prática doentia), ela está aí, no sair de si. É uma forma de limpeza do eu. Sobre esta passagem à alteridade, deixo soarem os versos de Antonio Cícero: “ Não se entra no país das maravilhas/ pois ele fica do lado de fora,/ não do lado de dentro. Se há saídas/ que dão nele, estão certamente à orla/ iridescente do meu pensamento,/ jamais no centro vago do meu eu."

Falta-nos responder à segunda pergunta: para quem escrever? Gosto sempre de lembrar, a boutade de Tom Zé: “Toda vez que ouço falar em público-alvo me abaixo, com medo de levar um tiro”. Não é por acaso que essa expressão pertence ao campo da publicidade. As coisas não são tão puras quanto alguns teóricos creem, e sob certos aspectos a publicidade pode se aproximar da arte. Mas quando se fala em “público-alvo” a diferença é enorme. Um alvo é aquilo que se deve, primeiro, identificar, marcar, para depois atingir. A publicidade está interessada, portanto, na parte do sujeito que é o eu: ela mira o que, no sujeito (ou consumidor), é identificável, o que se pode saber sobre ele, sobre seu desejo, para lhe oferecer o que ele espera. A publicidade, assim, diz respeito ao que o sujeito é. A arte (como o pensamento) está interessada no que o sujeito pode ser.
Ora, todo mundo, potencialmente, pode ser o que não é. Todo mundo pode ampliar-se, desconhecer-se, para reconhecer-se maior. Deve-se escrever mirando essa negatividade, isto é, procurando uma linguagem que ativará nas pessoas o que elas não são. É é por isso que qualquer grande escritor, apesar dos equívocos pseudodemocratas, escreve para todos.








(Cabe lembrar que não concordamos necessariamente com o que está escrito)

domingo, 16 de dezembro de 2012

Atados












chegou impetuoso, arma em punho. só assim os encararia de novo. ainda estavam vivos pelo corpo, os sulcos das navalhadas. lanhando. os olhos sempre vermelhos. mais vermelhos que da última vez, menos intensos que da próxima. era assim o único jeito de encará-los. chegar perto o bastante pra não ser percebido, e se infiltrar em seus delírios. arreganhou os dentes. jamais estaria acuado de novo. olhou cada um dos metafísicos, e ardeu em paz. era ali que estaria hoje, e sempre.
a mulher delirava. manchava o espaço com poesia e fumaça de cigarro. isso antes de mudar sua voz. antes. corria seminua, fosse inverno ou verão. respeitava sua origem alemã, trepava e suspirava espanhola. era uma vestal. avó e vestal. dominava o ar à sua volta, só falava o necessário e metia a porrada com força. amava e batia. derrubava e derretia. se houvesse um dos metafísicos menos agressivo, certamente não era ela. a única coisa que a deixava vulnerável era uma caixa revestida de couro, que levava pendurada no pescoço e onde guardava não só seus vibradores, mas também um estojo ainda menor, no qual carregava uma coleção de vozes e ocasiões, que misturava com algum psicotrópico.
o mais enigmático dos metafísicos, era também o menos visível. seu maior dom o fazia sumir por meses. alguns diziam ser coisas do espírito, retiros, chás da amazônia. mas todos nós sabíamos que ele procurava nas coxas, e também nas bundas de suas vítimas, a fatia perfeita, a mais precisa do universo. o certo é que ele não viesse mais por ter encontrado em seu corpo aquilo que caçara há anos em suas vítimas, e como não pararia até repetir o feito um milhão de vezes bem sucedidas, estava já sem os músculos das pernas.
mal se fechou na toalha em que as pessoas limpavam gorduras, derrubavam vinho ou assoavam o nariz, e o silêncio parecia o fim do gozo. esperou alguns minutos, suando. e quando o tecido estava prestes a se desfazer sob sua bunda, pôs a cabeça pra fora e foi beijado por uma criatura de óculos que falava e cheirava a sexo. limpou a boca com os pelos do antebraço, maiores do que seus dedos e olhou em volta. estava num quarto onde as paredes eram de veludo vermelho, algemas, chicotes e anões pelados. ele e a criatura, agora lambendo seu pescoço e cortando palavras do jornal para que depois de contadas, ela as enviasse em cartas cheias de paus, peitos, estocadas, lambidas, bucetinhas e pentelhos ralos. um arrepio e era ele transformado no próprio pau, latejando, trocando cartas sobre uma guerra que não venceria, com a criatura que despertava tesão com suas palavras. estava ficando chapado com o cheiro de mil gozos. era bom. foi mordido nos lábios, sangrou de excitação e fechou os olhos naquela dor, quando abriu era um dinossauro que agora baforava vapores e quilômetros de cabos de fibra ótica e luzes de led em sua cara.
estava em uma caverna, uma toca que tinha no fundo uma luz azulada proveniente da parede feita de monitores, todos conectados em interfaces interplanetárias, blogs de um minuto e em sites de putaria. o dinossauro vivia bem, embora sua biblioteca sufocasse olhos desacostumados. antes era bem maior – o dinossauro ajeitando os óculos e coçando a bunda com uma parafernália que ficava presa em sua boca e lembrava uma caneta. daí ela foi diminuindo na medida em que fui comendo os exemplares e na medida em que os carteiros deixaram de vir, o dinossauro tomando uma gelada e oferecendo a mama a um cara de jaleco branco que lhe tirava os vermes das costas, e comia o que sobrou entre seus dentes. no lado oposto à parede de monitores, bem na entrada, tinha uma sombra que ameaçava entrar, mas não se decidia. era outro metafísico, exigindo impaciente pela espera.
 esse tinha asas e ameaçava voar a qualquer minuto, de sua boca, quando ele tossia, ou sorria, escorriam amazonas, dragões e muitos magos. seu porte real, sua altura e força eram marcas de tantas lutas escondidas, ou não, sob tatames e em seu passado. mas já não era esse o seu tempo e embora ele pudesse matar com três movimentos – sua santíssima trindade –, preferia mil palavras a qualquer tipo de movimento, já que agora era o mais novo filho da terra de todos os santos. tinha aparecido pra voar comigo, pra mostrar o mundo lá do alto. eu confiava nele, sabia que não me deixaria cair. no caminho me contava lendas de tesouro e magia e disse que a essa altura, só pousaríamos em segurança quando chegássemos às planícies do rei.
 antes do nosso destino final, os olhos ainda seriam enganados duas vezes. só assim a jornada seria entendida. por nós dois. mesmo os metafísicos, já sofreram, sofrem, ou sofrerão, de abstinência de sentido. e quando um mar inteiro deixou de lado o azul, pra transformar suas ondas em leite e fazer brilhante um ponto escuro, uma ilha, um lugar fechado a códigos e regras do contrário. entrei sozinho no palácio que era um clarão, visto de fora. e por dentro era a primeira noite antes das estrelas. as portas eram todas de espuma por fora, e por dentro crivadas de pregos. assim era todo o primeiro pavimento, que se dividia em duas metades quase iguais. onde havia piscinas, certamente eram de óleo quente, onde o tapete era mais felpudo, no final era ainda um bicho vivo, um tigre, um gigolô, um herói de quadrinho banda b; no segundo piso, tudo o que parecia uma coisa era, na verdade, uma versão pornográfica dela mesma e depois ela mesma não era a mesma coisa pornográfica e logo voltava a ser aquilo que nunca tinha sido pois era exatamente oposta a ela mesma, como uma moeda girando antes de cair. um grupo de seis velhos em suspensórios, boinas e calças no meio da bunda, davam bengaladas em tudo o que se movesse a menos de um metro de distância, e cuspiam, e se abraçavam com saudade, e já não era eles mesmo escorregando na própria baba, nem reclamando dos tempos, ou peidando sem perceber, tudo o que havia era os soldados de coturnos-paetês com lâminas nas pontas, suando em tiras de couro que se espalhavam estrategicamente por onde os olhos pousariam, a única coisa de fora eram seus paus enormes que eles seguravam feito uma bengala, enquanto dividiam o mesmo suor, entre os vasos de porcelana, nos parapeitos da janelas, se segurando nas cortinas vermelhas, ou cavalgando algum móvel, e na frente do garoto com enxaqueca/um velho com gases de alegria, que achava tudo tão divertido que seu sorriso parecia eterno/que achava que todas as pessoas deviam explodir ao som daquelas gargalhadas falsas de programas de auditório, gozando/gozando com a orgia/reunião do clube de bocha que seus súditos involuntários/escravos livres se esforçavam/se esfregavam pra fazer parecer/pra fuder pra valer uma revista em quadrinhos para adultos/como num filme pornô sobre prostitutos. era um ambiente adorável e muito bem decorado. entretanto fui embora quando ele autorizou que eu subisse ao terceiro pavimento.
o metafísico alado tinha deixado um bilhete dizendo: fui ali. volto já. guardei na cueca e entrei no primeiro vaporetto que passou e logo estava desembarcando em uma rua extremamente movimentada, cheia de prédios pontiagudos, botecos, travestis, lojas de artigos pra putas, putas, e um exu que vigiava tudo em silêncio, onde todos falavam uma língua diferente, cheia de rr e de alguma coisa que podia muito bem ser raiva, não fosse pelo calor que emanava de cada coisa que se movia. e todas elas eram exatamente o mesmo rosto moreno, de cabelo curto e preto, cavanhaque de resolver conflitos violentos, olhos de dobermann prestes a atacar, e um abraço de urso que derretia os cubos de gelo e transformava-os na cerveja que era consumida ali pelas tantas, pelas putas, pelos bêbados, pelos padres e, principalmente, pelos tradutores responsáveis por estabelecer contato com os outros povos, fossem eles hostis e assustados, ou não. mesmo sem entender nada do que diziam e me assustando cada vez mais com o que ouvia, tinha um carinho de ficar, uma vontade, mas não dava, atrás do bilhete tinha um p.s.: como sempre, o rei está cansado de te esperar. vai logo, porra!
ao sair daquela rua e do frio que lembrava alguma parte da europa, entrou na primeira casa com cara de comercial de margarina, cercas brancas, meia dúzia de porcos nos fundos, e um galo trepando na cerca. queria morder aquele lugar, devorar cada clichê sem medo da dor-de-barriga, sem medo de ser feliz. e tinha os olhos do menino, sete ou oito anos, grudados no copo de leite sobre a mesa, como uma cadeira de cinema, e o diretor dizendo espera, espera, espera, vai agora!, e o moleque, depois de ver as ondinhas no copo, o tremelique do suco da vaca, disparava pra janela e contando os palhaços de perna de pau contra a luz do sol da manhã, ouvia uma musiquinha igual aquela caixinha da sua vozinha, de repente todo estrondo de um claquete, e o som engordando, suando e bufando seus ãos, seus foms, e uééínnnss, e então nada mais. o garoto com o pijama do flash gordon carregava nos olhos um dispositivo semelhante a uma câmera de trinta e cinco milímetros com bateria o bastante para filmar apenas um coisa do circo inteiro, algo que há anos tinha imaginado para um filme e nunca conseguia autorização de rodar. mesmo naquela vez que disparou atrás do bundão gigante e a dona clotilde, que tinha um dispositivo semelhante na língua, fez o favor de avisar às autoridades sobre as más intenções do garoto que nem tinha escovado os dentes ainda, ou sequer tinha alimentado os porcos do quintal. além de filmar, o dispositivo tinha um sensor e disparava exatamente quando era a vez do paquiderme, seu fedor de muito estrume e aquele bundão, pra sempre registrado nos olhos do garoto que havia anos sonhava em fazer um filme erótico sobre bundas de elefantes, e agora ia esfolar o pinto para comemorar a conquista. quando notou que estava sendo observado, o garoto falou com sua voz que mais parecia vapor e silêncio, só assim viverei em paz. então, com lágrimas nos olhos, deixei seu sorriso de metafísico. logo chegaria ao meu destino.
***
nas planícies do rei
cada fala era um êxtase, e sol sempre se punha às três da tarde, minutos depois dele acordar e sorrir pro ocaso na janela de vidro fumê, e pro casaco de pele humana sobre as costas da cadeira, indiferente à cinta-liga feita de lâminas de barbear, que ele usava sob a saia, dividindo o saco e o pinto ao meio, combinando com a coroa, e antes, só um pouquinho antes, do trono que carregava colado na bunda. o rei falava com a certeza de quem sofre o tempo inteiro e com a gravidade dos shakespearianos. sabia de todas as coisas que faria antes de morrer, era pai de dois seres intergalácticos, que o escolheram como hospedeiro das suas intenções de dominação da existência. e tudo isso estava expresso em seus gestos e nos tons pastéis que o cercavam. o rei vivia às margens de um rio de águas turvas, naquilo que parecia ser uma choupana com cobertura de palha, fogueira no oitão, e uma cobrinha de fumaça saindo da janela de moldura branca e cruz no centro, e na verdade era um bunker coberto de fios de eletricidade, cabos de rede, de antenas, de computadores, servidores maníacos, e todo tipo de aparelho que o conectasse à sua rede internacional de banheiros, espalhados nos quatro cantos do planeta. do lado de fora, no lugar de árvores havia o conforto de uma privada, e dos arbustos floriam os mais diversos tipos de papel, com cheiros, cores, comestíveis, pra desenhar, pra escrever, além dos favoritos, feitos com hidratante. não havia cores ali, pelo menos não do jeito que o rei imaginava o lugar. na sua visão, tudo seria um eterno nanquim, ou então, uma penumbra, vazada apenas por uma luz que desenhava extraordinariamente bem os rostos de pessoas ordinárias, imbuídas em orgias galopantes, de mulheres escancaradas, lambuzando-se em caralhos latejantemente poderosos, que faziam às vezes de controle remoto, colheres, desodorantes, garrafinhas, batons, e tudo mais que coubesse em seus orifícios, todo fetiche era tão banal quanto assuar o nariz, ou limpar a bunda, e os gogo-boys, que delícia, declamando pessoa, byron, espanca, morissey, bruno e marrone , e também o wando, que sem ele ninguém geme. e o rei sorria. mijava de rir, eternamente rindo, com sua capa do super-homem e sua imensa vontade de ter um pica tão grande quanto a do batman. mas nada disso existia. comandava uma divisão do paraíso e tudo não passava de literatura e intenção. na verdade, e não era segredo pra ninguém, o rei reportava-se estritamente à estrela de onde vieram os dois seres intergalácticos que o escolheram como pai humano. ante a figura do metafísico mais respeitado, senhor dos veículos por onde a insanidade dos outros seria vomitada, e também dono de uma voz de dar tesão em coroinha, parou e fez a única pergunta que seu estado mental e os duendes azuis lhe permitiam.
vossa majestade sabe por que vim?






(por Tiago Araújo. Imagem de um destes tumbrls da vida)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Escrever



Aos novos escritores




(De Braulio Tavares)

1) Use uma iluminação diferente quando for escrever. Por exemplo, apague a luz principal do escritório, acenda um abajur virado para a parede, deixa a tela do computador brilhar mais forte na penumbra. Crie um clima. Algo que avise o seu inconsciente que agora está num momento distinto, onde as regras são outras. Se não der certo, faça o contrário: ande com caneta e papel no bolso e escreva em qualquer lugar, a qualquer momento, em qualquer clima. Na fila do banco, no metrô, no táxi, na sala de espera, em casa diante da TV.

2) Tenha perto do computador uma poltrona, sofá, etc., onde você possa pensar longe do teclado. Isso ajuda. O corpo descansa, a cabeça carrega as baterias. Ficar hesitando na frente do teclado cansa todos dois. Se sentir que “deu um branco”, sente no sofá, feche os olhos, concentre-se no que está escrevendo. Quando uma frase surgir, não hesite, pule do sofá, sente no teclado e mande bala. Se não der certo, faça o contrário: obrigue-se a ficar na frente do computador, brigando mentalmente com a frase até que ela apareça, mas sem abandonar o ringue e sem aceitar o gongo.

3) Planeje cuidadosamente o livro; faça lista dos personagens, com nome, descrição e pequena biografia de cada um; esboce mapas das andanças deles, prepare descrições dos ambientes (use fotos ou ilustrações que deem sugestões visuais), faça sinopse e escaleta dos capítulos. Tenha em mente tudo que aconteceu na história, e só então comece a escrever. Se não der certo, faça o contrário: comece com uma frase, uma imagem, uma situação solta, e vá improvisando toda a história a partir daí, dando nomes provisórios às pessoas e aos lugares, o importante é não deixar a peteca cair nem a corda-bamba se soltar. 

4) Tenha sempre à mão livros inspiradores, livros que você acha bem escritos e que por alguma razão basta ler um parágrafo deles para sua cabeça ficar a mil, querendo escrever, contaminada por aquela energia verbal. Se não der certo, faça o contrário: pare de ler durante dias, não ligue a TV, não veja filmes, dedique-se apenas a tarefas manuais, limpe a mente de palavras, para quando começar a escrever estar com a cabeça intacta e pronta.

5) Leia instruções, manuais, faça oficinas literárias, consulte livros como O Livro do Escritor (Ímã Editorial), siga religiosamente as dicas alheias para ver se funcionam com você. Se não der certo, faça o contrário: escreva prestando atenção em você mesmo, analise seu jeito de fazer as coisas, incremente o que dá certo, corrija o que não dá, crie seu próprio método de escrever. Criar o próprio método é tão divertido e tão útil quanto escrever o próprio livro.



(Pode ser que sim, pode ser que não)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Lucy, a pobre Lucy, e os escritores.






escritores fazem orgia em plena quarta-feira e afirmam:
VAMOS REPETIR!


na noite passada (qua.) um grupo de dez pessoas se reuniu em um café da vila mariana, para praticar as mais devassas formas de sexo em grupo. o encontro, que começou como uma aparente reunião de escritores, logo se transformou em uma grande gemedeira coletiva! um absurdo!, conforme nos disse Lucy (49,5), a atendente exaltada do local.
Lucy conta que por volta das dezenove horas os primeiros lascivos começaram a chegar. na hora que eu vi, nem esquentei com nada: tava tudo vestido! o que ela não sabia, é que seus olhos logo estariam diante de um mar de sussurros, gemidos e roupas espalhadas pelo chão. solteira, mãe de quatro filhos, católica, e que no ano passado se submeteu a uma plástica vaginal para reduzir em vinte e cinco por cento a espessura de seus grandes lábios, a atendente afirma que em determinado momento a situação estava tão fora de controle, que até mesmo um grupo de estudantes de yoga, da academia ao lado, veio reclamar do barulho e, se não fosse a intervenção da polícia, teriam invadido o lugar. teve momentos em que fiquei com medo pela minha vida, emociona-se Lucy.
o senhor C. D. S. B. (65), doravante tratado como B., é apontado pela investigação como o principal responsável e incentivador de tal prática imoral. sob o pretexto de reunir, e organizar escritores, não é a primeira vez que B. realiza encontros como o de ontem. nos anos 2000, pagou uma fiança milionária à justiça, após ter ficado vinte e duas horas preso pelo mesmo motivo. faz anos que a gente tá na cola dele. cartões de crédito, contas na suiça, viagens pra fora: tudo. a gente sabe tudo, afirmou o investigador-chefe da operação J. Barcelos (33).
desquitado duas vezes, pai de um casal de gêmeos adolescentes, e de uma garotinha de oito anos, B. é um feroz investidor do ramo do entretenimento adulto, e há mais de dez anos, mais especificamente, dos serviços de acompanhante. inclusive, já foi visto, várias vezes, fiscalizando suas funcionárias in loco, ou seja, na rua. usa como fachada, uma editora na qual publica, também de fachada, boa parte dos escritores que estavam na reunião de ontem. é uma vergonha imaginar que o país possa estar tomado por gente assim, ratifica Mustafá Silveira (54), antropólogo de formação, e delegado no caso trepada literária, como a operação foi denominada pela polícia federal.
entre as dez pessoas que estavam no café, na noite de ontem, quatro eram menores e portavam identidades falsas, o que, provavelmente, ligará B. aos crimes de corrupção de menores e também de falsidade ideológica. se condenado, ele poderá pegar de dez a quinze anos de reclusão, sem direito à fiança, além da perda do direito de responder o processo em liberdade. a polícia, que trabalha sem cessar para que não aconteça o mesmo que aconteceu no caso da família trigueiros, divulgou, ainda na madrugada passada, os nomes e o ramo de atuação de cada um dos que estavam presentes na reunião. a lista vai desde professores, jornalistas, maconheiros, baianos recentes, defensores do verde, estudantes e, um pai de santo que, por azar, chegou ao local minutos antes de a polícia ser acionada.
até agora, a única possibilidade de condenação que a gente tem é o próprio C. D. S. B., tirando os quatro menores, (que deverão ser encaminhados para a fundação casa, ou algo pior), só mais dois tinham passagem (pela polícia) e mesmo assim por conta de roubo de galinha, com essa afirmação, o promotor de justiça Leonel Machado, deixa claro que mesmo tendo acontecido tudo o que aconteceu, é provável que apenas B. seja indiciado, de fato. porém, como todo mundo já sabia, seria impossível para uma única pessoa articular todo o esquema de orgias, por isso a polícia desconfia que D. M. (40, com cara de 35),  avó de uma menina com a mesma idade que sua filha mais nova, seja o braço direito da organização que vem promovendo o escândalo em nossa ilibada sociedade.
se a senhora D. M. é o braço direito, o menor P. C. (16), sem dúvida é o braço esquerdo. Barcelos afirma que o jovem é o cabeça da segurança, o responsável por manter a serenidade, mesmo que seja à força. me quebrou dois dentes o desgraçado, contou sorrindo a Francesinha, alcunha de uma das meninas mais antigas do grupo de meninas de B.. conhecido por seu temperamento forte, e principalmente, por seus ímpetos de violência, o menor foi apelidado de o braço da justiça da organização e, acredita-se que deva ter, pelo menos uma morte nas costas.
as investigações seguem a passos apressados, em um ritmo muito mais rápido do que no caso da família trigueiros, é preciso condenar os infratores o quanto antes. só assim poderemos acabar com essa mácula que destrói os valores tão bem edificados em nossos lares, declarou, por telefone, como se estivesse mais tranquilo do que ontem, o governador do estado, geraldo leitão.
como a única testemunha é a atendente Lucy, a pobre e traumatizada Lucy, traçar um panorama real do que ocorreu, ou fazer a reconstituição dos fatos, só será possível após sua recuperação na clínica de repouso Grajaúda, que fica ao lado do morredouro municipal, na Granja Viana.
procurado pela polícia e pela reportagem, um de seus filhos afirmou que após os depoimentos colhidos ainda na madrugada, Lucy teve uma complicação de efeito retardado em sua plástica vaginal e precisou que ser levada, às pressas, ao pronto-socorro, onde entrou em coma tão logo deu entrada no setor de acolhimentos e carícias.
estamos todos torcendo por ela.



(por Tiago Araújo)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Escrever




Decálogo de la creatividad




La creatividad no tiene reglas?

(Ou não.)

domingo, 18 de novembro de 2012

Escrever









3/12/61

Conscientizando-me dos “lugares mortos” dos sentimento – falando sem sentir nada. (Isso é muito diferente de minha antiga auto-repulsa por falar sem saber nada.)

O escritor deve ser quatro pessoas:

1)o maluco, o “obséde”
2)o idiota
2)o estilista
4)o crítico

1)fornece o material
2)deixa que ele saia
3)é gosto
4)é inteligência

Um grande escritor tem os quatro – mas você ainda pode ser um bom escritor com apenas 1) e 2); são os mais importantes.



(Extraído do diário de Susan Sontag. Caderno Mais!, Folha, 22/10/2006. Foto de 1966 VIA)

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Glossário


Ótimo tumbrl sugerido pela Nanete.

Dois exemplos abaixo:








segunda-feira, 5 de março de 2012




A lei de Lynch



Petrov monta no cavalo e faz à multidão um discurso no qual prediz o que acontecerá caso construam um arranha-céu americano no lugar onde fica o jardim público. A multidão ouve e parece aprovar. Petrov anota qualquer coisa em seu caderno. Da multidão sai um homem de estatura mediana e pergunta a Petrov o que é que assentou no caderno. Petrov responde se tratar de uma coisa que só a ele diz respeito. O homem de estatura mediana insiste. O tom sobe e rebenta uma discussão. A multidão toma o partido do homem de estatura mediana. Para salva a vida, Petrov fere o cavalo com as esporas, chega a uma esquina e desaparece. A multidão amotina-se e, à falta de outra vítima, agarra o homem de estatura mediana e arranca-lhe a cabeça. A cabeça arrancada rola na calçada e fica presa numa boca de esgoto. Saciadas as paixões, a multidão dispersa.




(Daniil Harms, Crônicas da Razão Louca)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Essencial



Como apontar lápis.
Via

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012




anti-verão, anti-carnaval, pode-se chamar isto de amor.








(Via Michel Laub)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sem nº




Via Cris Judar, pelo Facebook. Do filme Waking Life